sexta-feira, 19 de abril de 2019

Janela aberta. Respira.

Sempre é tempo de
parar
sentir                       
                                                                          ouvir o que o corpo diz                                                                                                                                e a mente ecoa                                          
respirar.

Ainda não é tempo de agir
Por mais que haja tanto
Esperando.                              
Gritando.                                                       
                                             
O mundo é um imperativo.
Mas eu sou meu maior Império.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Palavra que busca


Calor. Muito, muito calor, daqueles que amolecem o corpo ao ponto de nada ser possível. Impossível levantar. Impossível ficar. Há vento. Sinto que há, mas ele parece se dissolver em algum lugar entre a janela e meu corpo. Tudo que fica é esse desespero por uma brisa que resista a esse curto caminho, que chegue; e essa sensação, do corpo formigante das tantas gotas de suor.
Grudam os cabelos, as roupas, o lençol debaixo da roupa, a própria garganta parece ir grudando suas paredes, aprisionando a voz. Deito atravessada na cama, debaixo do ventilador na persistente esperança do vento. A garganta termina de colar e os pensamentos aceleram nessa espécie de prisão dos trópicos.
Olho o ventilador, talvez numa tentativa débil de adormecer os sentidos.
Estou mentindo. Criando uma narrativa e tentando fazer da vida esse exercício premeditado. Houve algo premeditado: a urgência da escrita. Ela estava aqui dentro, em sua existência imperativa, então passei a buscar.
Alguns possíveis acidentes moraram na existência milagrosa do quase.
Difícil demais olhar para a possível poesia da mancha que, discretamente, começa a surgir na parede, pintando o tempo na frieza do concreto, e ver a pessoa ali, a dois passos, na quase colisão, esperando o olhar de quem chega, de quem anota “limpar mancha da parede” e segue. Segue a pressa. Olha a chegada. Segue o caminho.
Eu buscava, portanto. E havia o imenso calor. A roupa grudava e, pensando em quantas horas mais faltariam para a vida ser possível novamente, o ventilador cresceu para mim.
As hélices giravam vertiginosamente em uma espécie de frenesi e de exaustão da inutilidade daquele trabalho ininterrupto, que mais parecia não existir.
Não vou dizer, nessa minha falácia narrativa, o que veio antes e o que veio depois, mas sei que doeu. Olhei aquele girar ininterrupto, acelerado, quase desesperado (nesse tremor dos ventiladores que parecem estar sempre à beira do colapso), e me vi.
A imagem dos meus pensamentos naquele frenesi circular imperceptível me rasgou, me deu a imagem exata dos últimos dias – talvez anos – das tantas ideias em polvorosa sumindo no ar sem serem sequer percebidas. Nem uma pequena parte da profusão em que viveram. Apenas se dissolveu no ar, como se nunca tivesse existido.
Mas a questão toda é que não foi a dor nem a hélice, nem seu girar...
Havia uma luz. Ela parecia refletir na parede, em um espaço mínimo entre o suporte do ventilador e as hélices, quase imperceptível. Olhei para trás e em volta, impossível saber o que era, o que refletia. Talvez fosse a coisa mais simples de todas, uma réstia de sol no teto. Mas como me conquistou aquela existência!
Aquela luz entre hélices incessantes, hélices do mundo de quem busca chegar, que buscam cumprir sua função no calor. Luz que só olhares que buscam – verbo tornado intransitivo temporariamente (ou não) – conseguem notar. Essa passagem... Essa luz descuidada com uma existência tão mínima e, por isso, tão livre. Tão maior que esse peso daqueles que têm que chegar.
Agora ela se foi e já posso sentir o vento, o trabalho das hélices saiu do anonimato. Mas que ideia bonita foi essa!
Havia uma luz, alheia à agonia do trabalho incessante, mas, ao mesmo tempo, tão ligada a ele. A mim, pareceu um quadro. Uma composição perfeita e idílica... Perfeita porque descuidada, perfeita porque inesperada... E eu, preocupada e dolorida demais com a imagem crucitante daquele girar incansável, me vejo vencida pelo riso dessa grande lição “Olha só, tinha uma luz”.
Há uma luz.

sexta-feira, 15 de junho de 2018

A forma d'água

O tempo desse texto passou, mas, de alguma forma, esse texto se recusa a passar, ele me ronda de tempos em tempos e me lembra que está aqui pulsando e que, nessas linhas completamente despretensioas, e sem toda a riqueza de detalhes que desejava - talvez numa ânsia mais analítica -, ele está aqui como a fala descontrolada e emocionada. E é assim que ele deve ser. Pura água.

Um grande amigo me disse "vá assistir esse filme. É pura poesia, é toda você, apenas vá" e quando alguém fala assim, a gente simplesmente vai. Eu fui. Saí completamente impactada, mas acostumada (infelizmente) à loucura de artigos e mais artigos da vida acadêmica, escrevi rapidamente recomendando o filme e ignorei a grande necessidade de escrita... até que outra grande amiga me deu o empurrão e me disse que, se eu queria retomar o blog, tinha que ser sobre esse filme. Não foi, outra escrita tomou frente e me fez voltar a escrever e esse texto ficou aqui perdido do tempo de lançamento do filme e de retomada do blog... Mas achei que não merecia ficar esquecido

Já ouvi opiniões das mais diversas a respeito de "A forma d'água" e, como sempre digo, não tenho conhecimentos o suficiente de linguagem cinematográfica (para não ser honesta e dizer que não tenho nenhum) para poder defendê-lo com autoridade, mas posso falar como alguém que foi tocada por ele. E posso dizer que esse filme me pegou em cheio desde seu início. A narrativa começa com uma reflexão sobre a personagem central, que é muito cara a todos nós que estudamos a arte de narrar: o que contar sobre ela? Como descrevê-la? O que leva a essa mesma questão acerca da história a ser contada: o que guarda a essência do que deve ser narrado? O que realmente importa ser contato para que o espectador realmente compreenda? O que há naquela história que faz com que ela precise ser narrada? Essas são questões fundamentais porque respondê-las é, no fim, o verdadeiro fio condutor da narrativa.
Esse início, a meu ver, é uma verdadeira declaração de intenções, pois, ao mesmo tempo que temos essa narração inicial, há uma cena, do mundo submerso, o que poderia ser, para o roteiro, a estratégia cíclica que já vimos tantas vezes em que o princípio antecipa o fim e a mesma cena nos parece totalmente outra quando ela surge no momento do filme a que pertence, mas, para mim, essa água que toma conta, que inunda tudo, é a imagem que sintetiza essa história, é a resposta à pergunta. Porque o que precisa ser narrado é esse encontro de universos, de perspectivas... essa água que inundará e modificará para sempre esse mundo.

Um desses filmes que são poesia e que, no fim, diz que o essencial a ser narrado pode não ser a tão conhecida história da bela e do "monstro", mas da coragem para enxergar além do que o mundo quer e ordena que se veja. Para os amantes de todas as artes, é um templo, essa água que inunda tudo... do sensível, do não dito, da persistência na humanidade mesmo sem motivo aparente ou esperança. Em uma realidade catastrófica e desoladora, é a coragem de insistir na poesia da vida.

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Um poema que aconteceu

Por anos venho ensaiando de retomar esse blog, mas o amanhã é aquela armadilha perigosa, ele se propaga pela turbulência da vida e mergulhamos nessa tragédia moderna de nós, que estudamos literatura, escrevermos sobre literatura, mas nos consumirmos em prazos e raramente nos permitirmos viver a literatura.
Mas, se algo ficou das tantas tentativas e esquecimentos, é que armadilha maior é deixar a escrita e o momento passarem. Hoje, eu, que nunca fui de estudar e tampouco pensar em escrever poesia, vi uma necessidade imperiosa da escrita vir em verso. Resolvi não dar tempo para um certo constrangimento fazer guardá-la para mim, pareceu um acontecimento forte demais para não convertê-lo nesse impulso que deixei tantas vezes para depois e finalmente fazer o que acho imprescindível: romper com essa violência da escrita puramente profissional. Hoje ela se tornou expressão. Essa respiração profunda que Bandeira tão maravilhosamente eternizou quando nos ensinou que "Quem faz um poema abre uma janela". Pego carona nesse poeta tão querido para vencer esse constrangimento e também embarcar numa espécie de luta: que compartilhemos cada vez mais para que a arte seja uma grande comunhão de janelas e não a tão corrente asfixia de egos.

O que se segue é um poema? Não sei. Talvez seja justamente por não saber que ele existe.


Eu amo tudo que sou.

Amo o que faço.

Amo minhas escolhas e a luta que travo

– todos os dias – por elas, por mim.

Pelo direito de ser, de estar.



Brindo todos os dias a nossa resiliência.

Mas há dias em que não somos fortaleza.

Há dias em que a luta é pelo direito à ruína.

Há dias em que apenas estamos cansadas...



Mas há tanto silêncio que isso...

Ouvir nosso próprio cansaço,

Parece um crime.



Então, hoje, a luta se faz por ele.

Pelo cansaço.

Pela exaustão.



Porque fortaleza é também prisão.

De tanto ouvir que somos fortes,

Esquecemos que essa é uma necessidade.

Não uma obrigação.



É preciso ter voz para lutar,

Mas também para sentir.



Faço, assim, desse dia, uma comunhão.

Para que não compartilhemos apenas nossas garras,

Mas nossa voz.

Nossa dor.



Para que nos recordemos

Que há dias de entrega.

De recolhimento.

De saber. De lembrar.



Lembrar que há dor. Há sangue.

E só há cura com o olhar.

Olhar que reconhece.

Olhar que aceita.

Olhar que abraça.



Abracemos então nossas feridas.

Nosso coração que sangra. E também cicatriza.

Deixemos que teçam a linha que costura nosso caminho.



Para não morrer por dentro,

Para deixar fluir,

Dedico esse momento à voz.

A essa voz humana tão massacrada.

Tão exausta das batalhas.


Há fortaleza na derrocada

E desmoronamento

Na fortaleza compulsória da vida.



Hoje é dia de sentir, de viver.

Desse mergulho crocitante em si.

Que perde.

Cura.

Floresce.