segunda-feira, 14 de maio de 2018

Um poema que aconteceu

Por anos venho ensaiando de retomar esse blog, mas o amanhã é aquela armadilha perigosa, ele se propaga pela turbulência da vida e mergulhamos nessa tragédia moderna de nós, que estudamos literatura, escrevermos sobre literatura, mas nos consumirmos em prazos e raramente nos permitirmos viver a literatura.
Mas, se algo ficou das tantas tentativas e esquecimentos, é que armadilha maior é deixar a escrita e o momento passarem. Hoje, eu, que nunca fui de estudar e tampouco pensar em escrever poesia, vi uma necessidade imperiosa da escrita vir em verso. Resolvi não dar tempo para um certo constrangimento fazer guardá-la para mim, pareceu um acontecimento forte demais para não convertê-lo nesse impulso que deixei tantas vezes para depois e finalmente fazer o que acho imprescindível: romper com essa violência da escrita puramente profissional. Hoje ela se tornou expressão. Essa respiração profunda que Bandeira tão maravilhosamente eternizou quando nos ensinou que "Quem faz um poema abre uma janela". Pego carona nesse poeta tão querido para vencer esse constrangimento e também embarcar numa espécie de luta: que compartilhemos cada vez mais para que a arte seja uma grande comunhão de janelas e não a tão corrente asfixia de egos.

O que se segue é um poema? Não sei. Talvez seja justamente por não saber que ele existe.


Eu amo tudo que sou.

Amo o que faço.

Amo minhas escolhas e a luta que travo

– todos os dias – por elas, por mim.

Pelo direito de ser, de estar.



Brindo todos os dias a nossa resiliência.

Mas há dias em que não somos fortaleza.

Há dias em que a luta é pelo direito à ruína.

Há dias em que apenas estamos cansadas...



Mas há tanto silêncio que isso...

Ouvir nosso próprio cansaço,

Parece um crime.



Então, hoje, a luta se faz por ele.

Pelo cansaço.

Pela exaustão.



Porque fortaleza é também prisão.

De tanto ouvir que somos fortes,

Esquecemos que essa é uma necessidade.

Não uma obrigação.



É preciso ter voz para lutar,

Mas também para sentir.



Faço, assim, desse dia, uma comunhão.

Para que não compartilhemos apenas nossas garras,

Mas nossa voz.

Nossa dor.



Para que nos recordemos

Que há dias de entrega.

De recolhimento.

De saber. De lembrar.



Lembrar que há dor. Há sangue.

E só há cura com o olhar.

Olhar que reconhece.

Olhar que aceita.

Olhar que abraça.



Abracemos então nossas feridas.

Nosso coração que sangra. E também cicatriza.

Deixemos que teçam a linha que costura nosso caminho.



Para não morrer por dentro,

Para deixar fluir,

Dedico esse momento à voz.

A essa voz humana tão massacrada.

Tão exausta das batalhas.


Há fortaleza na derrocada

E desmoronamento

Na fortaleza compulsória da vida.



Hoje é dia de sentir, de viver.

Desse mergulho crocitante em si.

Que perde.

Cura.

Floresce.