sexta-feira, 15 de junho de 2018

A forma d'água

O tempo desse texto passou, mas, de alguma forma, esse texto se recusa a passar, ele me ronda de tempos em tempos e me lembra que está aqui pulsando e que, nessas linhas completamente despretensioas, e sem toda a riqueza de detalhes que desejava - talvez numa ânsia mais analítica -, ele está aqui como a fala descontrolada e emocionada. E é assim que ele deve ser. Pura água.

Um grande amigo me disse "vá assistir esse filme. É pura poesia, é toda você, apenas vá" e quando alguém fala assim, a gente simplesmente vai. Eu fui. Saí completamente impactada, mas acostumada (infelizmente) à loucura de artigos e mais artigos da vida acadêmica, escrevi rapidamente recomendando o filme e ignorei a grande necessidade de escrita... até que outra grande amiga me deu o empurrão e me disse que, se eu queria retomar o blog, tinha que ser sobre esse filme. Não foi, outra escrita tomou frente e me fez voltar a escrever e esse texto ficou aqui perdido do tempo de lançamento do filme e de retomada do blog... Mas achei que não merecia ficar esquecido

Já ouvi opiniões das mais diversas a respeito de "A forma d'água" e, como sempre digo, não tenho conhecimentos o suficiente de linguagem cinematográfica (para não ser honesta e dizer que não tenho nenhum) para poder defendê-lo com autoridade, mas posso falar como alguém que foi tocada por ele. E posso dizer que esse filme me pegou em cheio desde seu início. A narrativa começa com uma reflexão sobre a personagem central, que é muito cara a todos nós que estudamos a arte de narrar: o que contar sobre ela? Como descrevê-la? O que leva a essa mesma questão acerca da história a ser contada: o que guarda a essência do que deve ser narrado? O que realmente importa ser contato para que o espectador realmente compreenda? O que há naquela história que faz com que ela precise ser narrada? Essas são questões fundamentais porque respondê-las é, no fim, o verdadeiro fio condutor da narrativa.
Esse início, a meu ver, é uma verdadeira declaração de intenções, pois, ao mesmo tempo que temos essa narração inicial, há uma cena, do mundo submerso, o que poderia ser, para o roteiro, a estratégia cíclica que já vimos tantas vezes em que o princípio antecipa o fim e a mesma cena nos parece totalmente outra quando ela surge no momento do filme a que pertence, mas, para mim, essa água que toma conta, que inunda tudo, é a imagem que sintetiza essa história, é a resposta à pergunta. Porque o que precisa ser narrado é esse encontro de universos, de perspectivas... essa água que inundará e modificará para sempre esse mundo.

Um desses filmes que são poesia e que, no fim, diz que o essencial a ser narrado pode não ser a tão conhecida história da bela e do "monstro", mas da coragem para enxergar além do que o mundo quer e ordena que se veja. Para os amantes de todas as artes, é um templo, essa água que inunda tudo... do sensível, do não dito, da persistência na humanidade mesmo sem motivo aparente ou esperança. Em uma realidade catastrófica e desoladora, é a coragem de insistir na poesia da vida.

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